Porque “Parto” é “Dor”?

A pergunta é esta: “Porque parto é sinónimo de dor?”
Pessoalmente nunca fui muito de associar o parto a dor, mas na sociedade em que vivemos é muito frequente fazermos esta associação. Com a palavra “parto” vêm também palavras como “medo”, “dor” e “sofrimento”. 
Quantas histórias de parto já ouviram? Quantas foram positivas? E quantas foram  traumáticas?
São muito mais as negativas e assustadoras, não são?

Primeiro, acho que as histórias que se contam contribuem muito para a propagação do medo. As histórias são verdadeiras e não acho que devemos mentir sobre elas, mas é preciso contextualizar que muitas vezes não há trabalho de preparação antes do parto. Não há informação, nem escolhas, nem familiarização com os procedimentos médicos nem o conhecimento sobre a fisiologia do parto. Quando as mulheres chegam ao momento do parto já sentem tanto medo pelo que o ouviram, pela dor que hão-de sentir, pelo processo desconhecido pelo qual vão passar, que o mais provável é que vivam também elas um parto sofrido.
Sugiro então que aceitem o desafio de desconstruir o medo à volta do parto e encará-lo. Vamos?? 🙂
1. Medo da dor
A dor é subjectiva e varia de pessoa para pessoa. Todos nós temos diferentes sensibilidades e diferentes tolerâncias à dor e por isso o que para mim é insuportável para si pode não ser. É certo que se o corpo está a abrir para permitir a passagem e saída do bebé é normal que se sinta dor. No entanto é bom recordar que o corpo se preparou para esse momento durante nove meses! As articulações  e ligamentos tornaram-se mais flexíveis e móveis, os ossos da bacia foram alargando progressivamente e até a caixa torácica aumentou de tamanho para melhorar a respiração.
A dor do parto é das poucas dores que significa que está tudo bem, que o nosso corpo está a fazer o trabalho certo!
A dor tem uma função fisiológica, sabiam? A dor das contracções permite que haja descontracção entre elas. Como? Experimentem contrair neste momento todo o vosso corpo. Contrai contrai contrai e agora descontrai! Qual é a sensação? 🙂
A dor permite a libertação de endorfinas que são os analgésicos naturais produzidos pelo corpo e induz um estado alterado de consciência.
Como em tudo na nossa vida, quanto mais combatermos a dor, maior ela se apresenta. Quando estamos com fome, se pensarmos “estou com fome, estou com fome”, sentimos mais ou menos a fome? 🙂
A dor pode ser aceite! A partir do momento em que a entendemos, comprendemos porque existe e para que serve, podemos torná-la nossa aliada em vez de nossa inimiga.
Mais uma vez o ciclo do medo aqui presente: se existe medo, existe tensão e existe dor. Enquanto doulas, se trabalhamos a confiança, a segurança, a informação e o empoderamento da mulher conseguimos quebrar o ciclo, conferindo maior tranquilidade e menos dor.
2. Medo do desconhecido
Quantas de nós conhece o seu corpo? Conhece os sinais e sintomas do corpo? Estamos preparadas para o escutar e atender às suas necessidades? Acredito que cada vez mais nos distanciamos de nós próprias nesse sentido.
É normal ter medo do desconhecido, provavelmente é um dos maiores medos do ser humano. Quando conhecemos sentimo-nos mais seguros e mais tranquilos. Assim é fundamental conhecer o processo pelo qual vamos passar durante a gravidez e parto. Conhecer a fisiologia do parto, saber o que abre, quando abre, o que contrai e porquê, o que acontece ou pode acontecer, o que é normal e não é…enfim, conhecer mesmo o processo pelo qual o bebé nasce. Aqui reside, na minha opinião, uma das grandes mais valias das doulas – fornecer apoio informativo! 🙂
3. Medo do hospital
O hospital pode ser visto por muitos como um lugar seguro, onde realmente estamos “a salvo”, mas pode ser também visto como um ambiente hostil, onde as doenças proliferam e onde a privacidade e o cuidado é algumas vezes negligenciado. 
Para muitas mulheres, só os termos técnicos e os procedimentos médicos são assustadores. Como podem os profissionais de saúde falar de “tricotomia”, “episiotomia”, “reanimação” sem explicar às utentes do que estão a falar?
Muitas mulheres podem sentir medo da solidão, de ficarem sozinhas na sala de parto, de não puderem pedir ajuda toda a vez que precisam de apoio, de ficarem sem o seu bebé nos braços mal ele nasça…
É muito importante falar sobre todos os medos que possam surgir e preferencialmente durante a gravidez, na fase de preparação para o parto, para que seja possível desmistificar todos os medos e dúvidas e evitar que as mulheres os carreguem até ao momento do parto.
Em suma, acredito sim que a dor é subjectiva, que podemos encará-la em vez de fugir dela. Que podemos preparar-nos para a sentir e arranjar ferramentas de alívio da dor. Acredito também que é essencial que a mulher grávida sinta realmente o local onde se sente segura – se a segurança está em casa porque vai ela para o hospital? Ou o contrário – se a mulher se sente tão segura no hospital porque tenta acreditar que a sua casa é o local perfeito para ter o seu bebé? Honestidade acima de tudo. É tão importante a verdade para que seja possível desconstruir crenças, avaliar preconceitos e alterá-los! 
As doulas têm essa missão. Ser o espelho das mulheres, mostrar o que existe e que por vezes não queremos ver. Tu, tens medo? Assume-o! Está tudo bem! 🙂

(adaptado do “Manual de Doulas” da Doula Maria Luísa Condeço

imagem de http://www.traditionalwisdom.com.au/blog/category/birth%20preparation)

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